quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue. Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida. 

Devemos tentar aprender de cor quem amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona.


Miguel Esteves Cardoso, in 'As Minhas Aventuras na República Portuguesa'

domingo, 18 de outubro de 2015


Em todas as almas há coisas secretas cujo segredo é guardado até à morte delas. E são guardadas, mesmo nos momentos mais sinceros, quando nos abismos nos expomos, todos doloridos, num lance de angústia, em face dos amigos mais queridos - porque as palavras que as poderiam traduzir seriam ridículas, mesquinhas, incompreensíveis ao mais perspicaz. Estas coisas são materialmente impossíveis de serem ditas. A própria Natureza as encerrou - não permitindo que a garganta humana pudesse arranjar sons para as exprimir - apenas sons para as caricaturar. E como essas ideias-entranha são as coisas que mais estimamos, falta-nos sempre a coragem de as caricaturar. Daqui os «isolados» que todos nós, os homens, somos. Duas almas que se compreendam inteiramente, que se conheçam, que saibam mutuamente tudo quanto nelas vive - não existem. Nem poderiam existir. No dia em que se compreendessem totalmente - ó ideal dos amorosos! - eu tenho a certeza que se fundiriam numa só. E os corpos morreriam. 

Mário de Sá-Carneiro, in 'Cartas a Fernando Pessoa'

sexta-feira, 18 de setembro de 2015




Não contar tudo sobre mim a alguém [alguém que seja] sempre foi algo tido como certo. Estranhamente isso mudou. Hoje há quem saiba tudo sobre mim. Tudo o que é relevante. Hoje soube que nunca o deixarei de amar. Pois se sabe, sabe; e saber é complicado. Então esquecer é impossível. Fatalidades à parte, é ele. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015


  Ter um problema de saúde não é fácil. Expressar-me sobre idem aspas. Não é embaraçoso. Não é doloroso. É tornar-me vulnerável. Portanto, impensável. Antes de se sentarem à mesa e falarem como se estivessem a discutir um jogo de futebol pensem. É só isso que peço. Não vou reviver os ataques com vocês. Se não ouviram todos os pormenores, paciência. Não me obriguem a contar. Não me obriguem a sentir tudo, mais uma vez. Não me obriguem a chorar. E é por isso que expressar-me é improvável. Duvido seriamente que alguém me consiga fazer falar. Mecanicamente digo o que é ter isto e o que se deve fazer, mas dizer o que me faz sentir e pensar, não. Aceitem-no. Até porque é a única forma de eu o suportar pacificamente. Se me obrigam a aceitar os medicamentos, obrigo-vos a não falar. É a minha condição.

segunda-feira, 8 de junho de 2015


O ponto é gasto: Amor.
Amor que arde sem se ver.
Amor que ama, sem amar.

O mesmo sentido.
O mesmo sentimento.
Diferente pessoa.
Que difere. Em tudo
Do que voa.

Sem tempo,
Apressa-se.
Às escuras da serenidade.

Tudo efusivo. Tudo.
Sentido.
Na ausência de vento,
Pela primeira vez,
Mergulho.

Trivial amor
Esse em que me afogo.

domingo, 10 de maio de 2015



É de conhecimento externo,
Esse teu amor platónico.
Sabe-se porquê,
Mas não se compreende.

Do que me concerne,
Torna-se evasivo,
Essa tua fugacidade
De racionalidade.

Espontâneo raciocínio.
Sentimentos racionalizados.
Mas sentidos. Amados.

Diz-me que sim. Para um não.
Sente. Para deixares de sentir.
Para racionalizares,
Para amares, amando-te primeiro.

Falamos do incógnito
Amor Próprio!

domingo, 19 de abril de 2015

...De noite todos os gatos são pardos...


Caímos.
Com o cair do sol,
O nascer da lua.

Por mais que brilhe,
Noite
É sinónimo.

Arde sem se ver,
Noite
É sinónimo.

A chama apaga-se,
Com o cair das estrelas.

Somos,
As cinzas no chão,
No nascer do novo dia.

sábado, 18 de abril de 2015

'[A vida] é uma crise passageira que nasce no foro psicológico e que não tem qualquer razão de ser ou de existir.'

terça-feira, 7 de abril de 2015

                                        “O Tempo do Carrossel”


O carrossel baloiça sem pedir permissão. No momento em que o sujeito da primeira pessoa que, agora, visualizo na terceira pessoa, ficou expectante com tanta ansiedade de vislumbrar, por breves momentos, o brilho que o outro ousa evidenciar para esse mesmo sujeito, direcciona-se repentinamente na escuridão presente nos do sujeito que vislumbram esse tal sujeito efusivamente brilhante.
A imposição maligna da gravidade e da função do carrossel anulam as possibilidades desse deslumbramento perdurar a mais de escassos segundos. A incerteza de quanto tempo durará somente este inocente acto realizado por ambas extremidades perdura igualmente no tempo.
Esse tal tempo que, minuciosamente, controla o carrossel e consequentemente tais repentinos olhares nunca foi outrora questionado. Porém, o outrora no passado ficou e, esse tempo que outrora passou, mais ainda perdurou e consequentemente, recentemente questionado foi, no fim de contas, pelo tempo que esse tal tempo determinou em tempos do tempo que há tempos ficou. Já em tempo de espera, o carrossel parou. Não com pedido de permissão…a sua imposição, pelo tempo passado outrora sentido, fugazmente se declarou.
Em tempo dúbio, o tempo que o tempo demorou a determinar o não baloiçar do carrossel foi irrisoriamente lento. O carrossel do tal sujeito assim não mais parou. O carrossel baloiça sem pedir permissão.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Enquanto não sobrevém, magoa. Corrói-me. Conto os dias: até e-lo [e-los?]. Fevereiro é sinal de dor, não de amor. Nesse dia mítico, era o aniversário. Há 93 anos - inexistentes agora. E só aí começa..